Em jantar com dirigentes e ministros do PT e PMDB, no Palácio da Alvorada, Dilma Rousseff evitou traçar planos para a sucessão presidencial. Disse que, antes de 2014, o governo tem dois anos de “muito trabalho” pela frente. Enalteceu a parceria entre os dois maiores partidos de sua coligação. Declarou que a junção funcionou no governo, no Legislativo e também nas eleições municipais de 2012.
Lula também esteve no Alvorada na tarde desta terça (6). Mas preferiu não participar do jantar. Achou que sua presença poderia ser mal compreendida. Teve receio de que dissessem que estava querendo se sobrepor à autoridade da presidente. Conversou com Dilma por cerca de três horas. Analisou com ela a conjuntura pós-eleitoral. Ajudou a alinhavar a retórica que seria desfiada no jantar. E foi embora.
Afora a anfitriã, estiveram no repasto do Alvorada 19 pessoas, entre senadores, deputados e ministros (veja lista no rodapé). O blog conversou com três dos comensais de Dilma. Vai abaixo um resumo em dez atos do que se passou:
1. Eleições municipais: O encontro começou no salão de estar do Alvorada. Dilma abriu a conversa com uma análise sobre as eleições para prefeitos. Celebrou o fato de as disputas não terem produzido prejuízos para a “boa convivência” das legendas que apoiam o governo no Congresso. Os presidentes do PT, Rui Falcão, e do PMDB, Valdir Raupp, despejaram números sobre o tapete. Dilma considerou que os dois partidos tinham muito a comemorar. Juntos, saíram das urnas com uma sólida base municipal, comentou.
2. São Paulo e Chalita: Dilma realçou a “importância” das alianças que o PMDB fez com seu partido. Deu especial ênfase ao apoio do candidato derrotado Gabriel Chalita ao petista Fernando Haddad, prefeito eleito de em São Paulo. Não foi uma adesão qualquer, ela disse. Chalita envolveu-se na campanha, ajudou a construir a vitória do PT, completou. Patrono da candidatura de Chalita, o vice-presidente Michel Temer assentia com movimentos de cabeça. Parte da audiência deixou o Alvorada com a sensação de que Chalita é um ministro esperando para acontecer.
3. Belo Horizonte: Dilma declarou que os acertos com o PMDB foram importantes mesmo em praças em que o PT saiu derrotado. Concentrou-se em Belo Horizonte. Para ela, o infortúnio de Patrus Ananias na capital mineira teve gosto de vitória. Por quê? Graças à votação do ex-ministro do Bolsa Família, o PT saiu das urnas maior do que entrou. Sabíamos que seria difícil derrotar Márcio Lacerda (PSB), afirmou a presidente. Mas o enfrentamento tornou-se incontornável. Sem mencionar o nome do tucano Aécio Neves, Dilma insinuou que, ao coabitar a primeira gestão de Lacerda com o PSDB, o PT como que condenou-se à sombra. A aliança com o PMDB produziu, segundo ela, um promissor realinhamento de forças em Belo Horizonte.
4. A bajulação de Sarney: o presidente do Senado interveio a certa altura para bajular Dilma. Disse que os partidos deviam o bom desempenho nas urnas à anfitriã. Não quero fazer rasgação de seda, afirmou José Sarney. Em seguida, rasgou: o sucesso eleitoral se deve à sua popularidade, ao reconhecimento do seu governo na sociedade, disse o morubixaba do PMDB. A gente deve isso à boa aceitação da sua administração, acrescentou o senador.
5. Reforma política: Dilma afirmou que os partidos precisam aproveitar o bom momento para avançar no Legislativo. Curiosamente, não mencionou os projetos que interessam mais diretamente ao seu governo. Discorreu sobre a reforma política. Abstendo-se de mencionar o mensalão, que o PT chama de “caixa dois”, a presidente foi enfática: passa da hora de reformar a legislação eleitoral. Ela se dispôs a ajudar. Não faz questão de ser protagonista. Fará o que o Congresso achar que lhe cabe fazer. Se quiserem que o Planalto mande um projeto, será enviado. Se avaliarem que o governo não deve se meter, assim será feito. O essencial, repisou Dilma, é avançar. O avanço virá, na opinião dela, se os partidos abandonarem os projetos ambiciosos. Acha que o melhor seria selecionar dois ou três tópicos realmente prioritários. Não desceu aos detalhes.
6. Os afagos no vice: na sua intervenção mais efetiva ao longo da conversa, Michel Temer sugeriu a Dilma que promovesse encontros como o da noite passada com os outros partidos do condomínio governista. A sugestão foi prontamente acatada por Dilma. Sem precisar datas nem formatos, a presidente afirmou que convidará ao Alvorada todas as legendas que a apoiam. Sem exceções. Ao longo da conversa, a presidente brindou Temer com referências elogiosas. Enalteceu-o ao referir-se ao “êxito” da participação do PMDB no governo. Alisou-o ao agradecer a mão estendida do PMDB em Belo Horizonte. Afagou-o ao valorizar a rápida adesão do PMDB no segundo turno da disputa municipal de São Paulo.
7. 2014: embora não haja dúvida de que Dilma será candidata à reeleição, o ano de 2014 não foi mencionado na conversa senão de forma lateral. Em timbre de brincadeira, o ministro petista Aloizio Mercadante (Educação) sugeriu que PT e PMDB esboçassem desde logo o plano sucessório, definindo as alianças nos Estados. O senador Valdir Raupp, presidente do PMDB, deu asas ao chiste: nós ficamos com 23 Estados e deixamos uns quatro para o PT, disse, entre risos. Espremendo-se as intervenções feitas sobre o tema, chegou-se à conclusão de que não convém nem colocar a carroça de 2014 adiante dos bois nem ignorar as evidências de que o jogo começou. Falando a sério, Dilma afirmou que, antes da reeleição, vem o trabalho. Muito trabalho, disse ela, referindo-se aos dois anos de gestão que lhe restam. Soou otimista. Disse que são alvissareiros os indicadores de 2013. Não fez referência explícita à reedição da chapa Dilma-Temer. A manutenção ficou subentendida nas menções benfazejas que ao PMDB e ao vice. O nome de Eduardo Campos, o neopresidenciável do quase ex-governista PSB, não foi citado uma mísera vez no Alvorada.
8. Câmara e Senado: a eleição para as presidências da Câmara e do Senado tampouco foi um tema proeminente na conversa. Dilma não disse nada do tipo apoio fulano ou endosso beltrano. Foi como se desse de barato que os próximos presidentes do Congresso serão os líderes do PMDB: Renan Calheiros no Senado e Henrique Eduardo Alves na Câmara. Dilma já torceu o nariz para Renan. Mas o senador estava no Alvorada. E o simples convite funcionou como sinalização de que os óbices desapareceram. Renan não disse palavra. Sobre a Câmara, mencionou-se o acordo escrito que prevê o apoio do PT ao indicado do PMDB. Acordo é coisa para ser cumprida, disse Dilma. Rui Falcão, o presidente do PT, ecoou-a. E o deputado Jilmar Tatto, líder do petismo na Câmara, declarou que , independentemente de acordos, Henrique Alves merece ser alçado à cadeira hoje ocupada por Marco Maia, também presente.
9. Henrique Alves: o líder do PMDB teve de deixar o Alvorada antes da sobremesa. Ele agendara um encontro com a bancada do PR. Estava atrasado. Pediu desculpas à anfitriã. Preciso cuidar da minha eleição, afirmou. Nesse instante, Dilma como que explicitou seu apoio ao deputado. Vá mesmo, ela estimulou. Aqui tem poucos votos. E todos já são seus. Antes, Temer fizera um comentário jocoso: o Henrique trabalha tanto que vai chegar à eleição como candidato único. Não vai ter graça. O ministro peemedebista Mendes Ribeiro (Agricultura) devolveu a piada: quando você concorreu como candidato único teve graça, não é mesmo? Dilma gargalhou.
10. Bom homor: a Dilma que se exibiu ao PT e ao PMDB na noite do Alvorada é muito diferente da Dilma com que os aliados se habituaram a lidar. Durante todo o encontro, que terminou pouco antes da meia-noite, a presidente destilou um humor raro. Nas poucas vezes em que tratou de projetos que correm no Congresso, Dilma evitou o habitual estilo de mandona. Soou cândida ao tratar da medida provisória que prevê a redução do preço das contas de luz. Manteve a calma ao ser informada de que a Câmara acabara de lhe impor uma derrota no projeto da repartição dos royalties do petróleo. Ela defendera que 100% dos royalties fossem destinados à educação. Os deputados deram de ombros. Não foi possível, disse Henrique Alves, que, em plenário, encaminhara a votação contra a proposta do governo. Dilma deu a entender que sancionará o texto aprovado. Vamos ver o que vem, afirmou, reservando-se o direito de vetar os trechos que julgar mais impróprios. Uma intervenção de Valdir Raupp terminou de comprovar a rendição de Dilma à cordialidade. Em dado momento, o presidente do PMDB insinuou que alguns diretórios estaduais reclamam por mais espaço no governo. Dilma farejou na observação um pedido de ministérios. Noutros tempos, iria à jugular do pidão. No novo formato, atalhou Raupp com um sorriso: Ôpa! Vamos deixar que isso venha como consequência, não como reivindicação, disse, inusualmente lhana.
Foram à mesa do Alvorada duas opções de prato: carne e peixe. À mesa, a conversa fluiu amena. Quando Henrique Alves informou que teria de se ausentar para cabalar os votos do PR, Dilma foi, de novo, calculadamente gentil: Antes, vamos fazer um brinde, ela convidou. Quando a gente não tem afinidade, faz discurso. Quando somos parceiros, a gente faz um brinde, acrescentou. As taças foram erguidas pelo “passado e pelo futuro” do relacionamento entre os dois sócios majoritários da aliança. Dilma vê “muito trabalho” pela frente. Mas não parece enxergar nada além de 2014 no fim do seu túnel particular.
- Em tempo: Pelo PT, estiveram no Alvorada: Rui Falcão, presidente da legenda; Marco Maia, presidente da Câmara; os líderes Walter Pinheiro, Arlindo Chinaglia, Jilmar Tatto e José Pimentel; e os ministros Aloizio Mercadante (Educação), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência); e Ideli Salvatti (Relações Institucionais). Pelo PMDB, foram à mesa: o vice Michel Temer; José Sarney, presidente do Senado; Valdir Raupp, presidente do partido; os líderes Henrique Alves, Renan Calheiros e Eduardo Braga; e os ministros Garibaldi Alves (Previdência), Mendes Ribeiro (Agricultura), Moreira Franco (Assuntos Estratégicos) e Gastão Vieira (Turismo).